A minha terra não tem uma "Rua Direita". Mas a cidade onde fica a minha terra tem! A minha terra tem uma "Rua 4 de Julho" e uma "Rua 1º de Maio". Tem uma igreja cujo sino toca às horas e meias horas, e um toque diferente para anunciar as missas e outro para anunciar a morte de alguém. Toda a gente conhece os toques. Já não tem um padeiro que faz pão em casa, mas apesar de ter já uma pastelaria as pessoas ainda vão buscar o pão aos mini-mercados. Tem um "largo do Cruzeiro", que fica entre dois café e a quem chamamos carinhosamente o "poiso dos reformados". Tem pessoas que dizem sempre "bom dia" a
quem passa, mesmo que sejam desconhecidos. Tem um campo da bola "pelado" e um campo "polidesportivo". Tem festas em honra da padroeira
com bailaricos e eu já fui mordoma da festa. Tem um velho rebarbado que adora dar beijinhos e
abracinhos às amigas de infância da filha. Tem um Grupo Desportivo, um Grupo Motard, um Grupo de Bordados e uma Associação Beneficiente. Também tem Escuteiros e um Grupo de catequese. E até tem um Grupo no facebook. :) Tem um grupo de mulheres
que, mesmo sem coletes reflectores amarelos, fazem marcha pela aldeia à
noite. Tem uma discoteca que, em tempos, tinha as melhores matinés da região centro e tem um Churrasqueira. Tem o peixeiro que não pára de apitar enquanto não aparecer o primeiro cliente. Um carteiro que entrega cartas deslocando-se numa Zundapp
Famel. A minha terra tem um sapateiro. Tem vários cafés com empregadas que sabem tudo da vida de toda a
gente. Tem cafés que ninguém conhece pelo nome e que toda a gente trata como sendo o "café do/a (nome do dono/a)": o "Café da Rosa" ou o "Café do Luís". Tem os "Bolinhos e Bolinhós" dia 1 de Novembro. Tem várias mercearias, sendo que a minha preferida é a da "Cinda" e tem um talho que também é o da "Cinda", mas são duas "Cindas" diferentes. Tem ovelhas e pastores que já fizeram parar o
trânsito. Tem beatas que moram ao pé do adro da Igreja e que
vão a todos os funerais e velórios, mesmo que não conheçam os mortos.
Tem vizinhos que se
cumprimentam por "vizinhos" como se fosse um parentesco. Tem muita gente que não sabe o
meu nome mas sabe de quem sou filha e neta. Tem o "cerrar da velha"
todas as quartas feiras de cinzas, em que fazem cantilenas estranhas à porta dos casais que foram avós durante o último ano e até esse dia. Tem gente que se conhece pelo nome
próprio. Na minha terra cultivam-se produtos e oferecem-se aos amigos. E se começar a chover, há sempre uma vizinha que sai à rua primeiro que as outras a gritar "olha a roupa" e se não estiver ninguém em casa apanha-se a roupa da vizinha e guarda-se até ao final do dia. Tem famílias em que todos os membros são tratados pelo apelido e tem familias inteiras a serem tratadas por alcunhas. Na minha terra, vai-se a ver, e toda a gente tem um grau de parentesco entre si, mesmo que seja em 7.º ou 8.º grau :) Na minha terra, todos perguntam às mães e aos pais "como corre a vida?" aos filhos emigrados e mandam "beijinhos e abraços com muitas saudades".
A minha terra tem vida lá dentro.(e eu tenho imensas saudades da minha terra!!!)
*(desafio lançado pela Ursa-maior no Quadripolaridades