quinta-feira, 21 de março de 2013

Todas as terras deviam ser assim*


A minha terra não tem uma "Rua Direita". Mas a cidade onde fica a minha terra tem! A minha terra tem uma "Rua 4 de Julho" e uma "Rua 1º de Maio". Tem uma igreja cujo sino toca às horas e meias horas, e um toque diferente para anunciar as missas e outro para anunciar a morte de alguém. Toda a gente conhece os toques. Já não tem um padeiro que faz pão em casa, mas apesar de ter já uma pastelaria as pessoas ainda vão buscar o pão aos mini-mercados. Tem um "largo do Cruzeiro", que fica entre dois café e a quem chamamos carinhosamente o "poiso dos reformados". Tem pessoas que dizem sempre "bom dia" a quem passa, mesmo que sejam desconhecidos. Tem um campo da bola "pelado" e um campo "polidesportivo". Tem festas em honra da padroeira com bailaricos e eu já fui mordoma da festa. Tem um velho rebarbado que adora dar beijinhos e abracinhos às amigas de infância da filha. Tem um Grupo Desportivo, um Grupo Motard, um Grupo de Bordados e uma Associação Beneficiente. Também tem Escuteiros e um Grupo de catequese. E até tem um Grupo no facebook. :) Tem um grupo de mulheres que, mesmo sem coletes reflectores amarelos, fazem marcha pela aldeia à noite. Tem uma discoteca que, em tempos, tinha as melhores matinés da região centro e tem um Churrasqueira. Tem o peixeiro que não pára de apitar enquanto não aparecer o primeiro cliente. Um carteiro que entrega cartas deslocando-se numa Zundapp Famel. A minha terra tem um sapateiro. Tem vários cafés com empregadas que sabem tudo da vida de toda a gente. Tem cafés que ninguém conhece pelo nome e que toda a gente trata como sendo o "café do/a (nome do dono/a)": o "Café da Rosa" ou o "Café do Luís". Tem os "Bolinhos e Bolinhós" dia 1 de Novembro. Tem várias mercearias, sendo que a minha preferida é a da "Cinda" e tem um talho que também é o da "Cinda", mas são duas "Cindas" diferentes. Tem ovelhas e pastores que já fizeram parar o trânsito. Tem beatas que moram ao pé do adro da Igreja e que vão a todos os funerais e velórios, mesmo que não conheçam os mortos. Tem vizinhos que se cumprimentam por "vizinhos" como se fosse um parentesco. Tem muita gente que não sabe o meu nome mas sabe de quem sou filha e neta. Tem o "cerrar da velha" todas as quartas feiras de cinzas, em que fazem cantilenas estranhas à porta dos casais que foram avós durante o último ano e até esse dia. Tem gente que se conhece pelo nome próprio. Na minha terra cultivam-se produtos e oferecem-se aos amigos. E se começar a chover, há sempre uma vizinha que sai à rua primeiro que as outras a gritar "olha a roupa" e se não estiver ninguém em casa apanha-se a roupa da vizinha e guarda-se até ao final do dia. Tem famílias em que todos os membros são tratados pelo apelido e tem familias inteiras a serem tratadas por alcunhas. Na minha terra, vai-se a ver, e toda a gente tem um grau de parentesco entre si, mesmo que seja em 7.º ou 8.º grau :) Na minha terra, todos perguntam às mães e aos pais "como corre a vida?" aos filhos emigrados e mandam "beijinhos e abraços com muitas saudades".
A minha terra tem vida lá dentro.(e eu tenho imensas saudades da minha terra!!!)

*(desafio lançado pela Ursa-maior no Quadripolaridades

Abençoada natureza!


Diz que hoje também é o Dia da Árvore!!

Celebremos então...

("oh my eyes, my eyes")


... com este magnífico tronco!! :)


Bisous ;)

 

"Matumbina, fala poema"

Hoje é Dia Mundial da Poesia. Eu, admiradora de poesia, me confesso! Eis, um dos poemas que me fazem bater o coração mais forte:


Adeus


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.


Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”